domingo, 13 de setembro de 2015

ROTEIRO: O VALE DAS JATUARANAS (RO)





















Fica difícil descrever a jatuarana cientificamente, pois não existe um estudo aprofundado sobre tal peixe. Em alguns livros, ela é descrita como Hemiodus microcephalus e pertencente à família dos Caracideos. No entanto, para que o leitor possa entender, em alguns lugares o ribeirinho também a chama de “matrinchão”. Temos a esclarecer que, apesar da aparência, “quase igual”, são peixes de famílias completamente diferentes. Enquanto as matrinchãs são mais prateadas e menores, a jatuarana tem um colorido de amarelo ouro, com uma mancha na cor preta que lhe pega parte do rabo e nadadeira anal. Seus dentes também são diferentes dos da matrinchã, pois apresentam uma serrilha muito parecida com a do dourado do Pantanal. 



Os hábitos da jatuarana são muito parecidos com os da matrinchã, pois prefere rios que tenham correnteza e corredeiras de pedras. Sua alimentação é composta principalmente de frutas e pequenos peixes, dando uma notória preferência nestes últimos a pequenos cascudinhos, o que não deixa de ser natural e serve como dica, pois as corredeiras de pedras são o habitat natural destes pequenos e cascudos peixinhos. Já havia um bom tempo que ouvíamos falar do rio Pau Cerne, que é um afluente do rio Guaporé, nas imediações da cidade de Pimenteiras, no estado de Rondônia. Haviam nos dito que esse rio tinha boas corredeiras e uma cachoeira muito bonita. 


Como a fruta só cai quando está madura, finalmente se apresentou a oportunidade para que a equipe Aruanã pudesse testar a piscosidade de tal rio. Eram 04:30h da manhã quando iniciamos a viagem até o Pau Cerne. Rio normal, com a vegetação maciça, característica da Bacia Amazônica, nem de longe demostra àquele que em suas águas navega, a beleza que irá encontrar alguns quilômetros à frente. Por várias vezes tem-se que diminuir a velocidade, pois várias árvores estão caídas em seu leito, e demonstram claramente serem excelentes pesqueiros para outras espécies de peixes. Mas nossa determinação eram as jatuaranas. No percurso da subida do rio, vimos muitos animais, como antas, jacarés e pacas. No céu, muitos pássaros voavam livremente, e quase não se assustavam com nossa presença.


Bandos de araras azuis faziam uma ruidosa manifestação diante de nós. Após mais ou menos três horas desde a saída do pesqueiro, por entre a mata, divisamos uma elevação típica de morro, a demonstrar que, se houvesse uma cachoeira, não estávamos longe. Como de repente, após uma curva, avistamos a primeira corredeira, com a altura de mais ou menos 1 metro. Encostamos devagar e sem ruído à sua margem direita e conseguimos ver que o local era todo de pedras, a maioria delas estando ainda submersas. Com cuidado descemos do barco e pelas pedras fomos andando até bem próximo à corredeira, que tinha mais ou menos 60 metros de largura, ocupando quase toda a largura do rio. 


Nosso equipamento era composto de vara Fenwick modelo Eagle Two, carretilha Royal Ambassadeur e linha 0.30mm. Como isca artificial, usávamos um spinner de nossa própria fabricação e com um só anzol. Começamos a dar nossos lances no local mais óbvio, ou seja, no meio da corredeira e praticando o sistema de corrico. Após mais ou menos uns trinta lances, a triste constatação de que não havia jatuaranas ali, ou então de que elas não estavam comendo. Na ultima hipótese, era difícil de acreditar, pois pela nossa experiência, podemos afirmar que o spinner é a melhor isca para esse tipo de peixe e mesmo para as piraputangas, matrinchãs, piracanjubas, etc. O piloteiro do Cabanas do Guaporé nos disse que a cachoeira estava mais ou menos 1 quilômetro rio acima. Resolvemos ir até lá. 


Seguindo uma trilha por dentro da mata ribeirinha, fomos andando pela margem do rio, parando de vez em quando para observar a corredeira que se seguia paralela à nossa trilha e mostrava vez por outra bons poços de pesca. Finalmente, em uma pequena praia de areia grossa e avermelhada, saímos da mata e avistamos a cachoeira em sua totalidade. O espetáculo era maravilhoso, pois a queda tinha mais de 80 metros de altura e se dividia em três partes. No “pé” da cachoeira havia um lago maravilhoso de águas muito limpas, onde se conseguia ver o fundo de pedras. Passada a primeira emoção e após algumas fotografias, voltamos a nos lembrar das jatuaranas, nossa razão principal de estar ali. Fizemos alguns lances para o meio desse lago e o resultado foi negativo. 


Após um raciocínio lógico, optamos por ir pelas pedras, até onde o lago terminava e se afunilando no rio propriamente dito, e onde começavam as corredeiras. Com muito cuidado, pois estávamos completamente vestidos, com calça, tênis e camisa, fomos andando por entre as pedras, tendo o cuidado de não molhar os pés. No lugar escolhido, começamos a dar os lances em direção à corredeira na esperança de fisgarmos o peixe. Após mais ou menos o vigésimo lance sem nenhum resultado, optamos por dar os lances na linha que dividia a corredeira da água mais calma do lago.  No primeiro lance fisgamos o peixe. A princípio, a jatuarana não brigou muito, ficando entre a corredeira e a água mais calma. Parecia até que era pequena ou uma matrinchã. De repente, o peixe fisgado começou a vir em nossa direção e sem que esperássemos, pulou mais ou menos um metro para fora da água e bem na nossa frente.


Após vermos o tamanho do peixe, o arrependimento por termos usado um material tão leve já estava em nossa mente. Pois bem, após o primeiro pulo, essa jatuarana resolveu brigar e já correu corredeira abaixo, levando mais de 80 metros de linha. A carretilha ia ficando com menos linha. Foi aí então que o cuidado em não molhar os pés foi por água abaixo e, literalmente. Sem a menor cerimônia e sendo o peixe o alvo principal, entramos de roupa e tudo dentro da água, a princípio pelas margens e por cima das pedras menos submersas. Era um tal de dar um passo e um tombo. Em alguns locais havia poços mais fundos, onde éramos obrigados a nadar. A jatuarana começou a dar sinais de cansaço, mais ou menos uns quinhentos metros rio abaixo do local onde havia sido fisgada.

 Vez por outra dava um pulo e já começava a brigar novamente e a subir a correnteza. Nós, da margem, estávamos também bastante cansados e totalmente molhados. Finalmente o peixe veio mais para a margem e perto de onde havia uma moita de sarã, deu a primeira parada. O piloteiro, que havia vindo pela margem avistou-a e eu gritei para que tentasse pegá-la. Ele tentou e ela saiu novamente para o meio da corredeira, disposta a brigar suas últimas forças. Foram mais alguns minutos de briga e ela voltou novamente para o mesmo lugar, sendo então segura pelo piloteiro. Nessa altura da briga, completamente extenuado e vendo o peixe nas mãos do piloteiro, restou-nos sentar para descansar, o que fizemos sem nos importar o fato de estarmos com água pela linha da cintura. 


Após algumas respirações profundas, fomos para a margem e pudemos então pegar aquele valente peixe com nossas próprias mãos. Nesse momento, só o verdadeiro pescador amador esportista sabe avaliar a emoção que vai pelo coração. Ali, imóvel diante de mim, um peixe que brigou muito por sua permanência no rio. De minha parte, um pescador amador que a havia fisgado com material leve e que de maneira nenhuma poderia aguentar seu peso se não fosse a experiência, o cuidado e a paciência de trabalhar aquele magnifico exemplar. O spinner estava quebrado e amassado. Tinha perdido a colher giratória, mas o anzol tinha aguentado valentemente a briga. A linha, tivemos que jogar fora mais de 50 metros, pois estava completamente cheia de marcas das pedras por onde tinha sido roçada. 


O cansaço era tão grande que o braço esquerdo, que segurava a vara de pesca, estava meio dormente. Sentamos em uma pedra para descansar e ficamos observando o peixe com um sentimento de paz, pois a briga havia sido boa e limpa, de nossa parte e da parte daquela jatuarana. Por instantes, passou aquele ditado por nossa mente: “que vença o melhor”. Durante aquele dia não pescamos mais. Os piloteiros calcularam o peso do peixe em nove quilos. Não nos preocupamos em pesar, pois isso não tinha importância e nem iria diminuir a valentia e a briga do peixe, além de não aumentar minha qualidade de bom pescador. Voltamos à cachoeira dois dias depois, e agora com material mais adequado, pois a carretilha era maior, a vara mais firme e a linha de bitola 0.45mm.


 Fisgamos uma jatuarana grande e mais nada. Na descida do rio Pau Cerne, pudemos avistar um cardume de jatuaranas subindo o rio. Ali estava nossa resposta. Esse cardume com certeza estava se alimentando de frutas, pois rio abaixo ele estava fora da caixa. Mentalmente fizemos a conta e chegamos à conclusão de que pescar nos meses de abril até agosto seria o ideal, pois sem dúvida, os peixes todos estariam então nas corredeiras. A propósito: foi vendo o cardume de jatuaranas subir o rio que nos veio a idéia de chamar aquele local de “Vale das Jatuaranas”.



NOTA DA REDAÇÃO: Deve agora o leitor deste blog, ignorar o quadro logo acima, já que a Evidência/Liguepesca, bem como seus telefones não mais existem. O mesmo não posso afirmar quanto ao hotel/pesqueiro Cabanas de Guaporé, já que não tenho tal afirmação. Mas posso noticiar e isso sim, de fonte segura e atual, de que o pescador brasileiro está proibido, pelo governo da Bolívia, de entrar no rio Pau Cerne. Essa proibição se deu por diversos motivos entre os quais podemos destacar: é outro país; a “cervejinha” ofertada aos “policiais” bolivianos que ficavam na entrada do rio, não funciona mais; a depredação feita pelos pescadores brasileiros no local tais como sujeira, restos de lixo, latas de cerveja entre outros materiais, foi a causa da proibição; corte de árvores caídas e atravessadas no rio, que dificultavam a passagem dos barcos, e mais algumas coisinhas. Estaria ainda proibida a pesca nas baias do lado boliviano. Triste sina a nossa de “pescadores brasileiros”. Antonio Lopes da Silva

4 comentários:

  1. Ao rever essa matéria, relembro a ansiedade e desejo de conhecer esse local ao ler a revista na época.. Devo à Aruanã a satisfação de ter conhecido e gravado um dos mais belos rios em que estive.
    Quanto às críticas do Toninho ao pescador esportivo brasileiro, são pertinentes, infelizmente. Grande abraço!

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    1. Marcão: Você como eu, a muito estamos no setor de pesca amadora e trabalhando, cada um ao seu modo, pela educação, proteção e contra qualquer ato que a prejudique. Você, com uma câmera ou ilha de edição na mão, é fera e um dos melhores que conheci, inclusive pude contar com seu profissionalismo em alguns trabalhos que fiz. "No nosso tempo" a pesca amadora, que transformaram em pesca esportiva, tinha muito menos mestres, ambientalistas e os eco-chatos. Mas uma coisa nos consola e dela podemos nos orgulhar, muito fizemos e continuamos a fazer dessa modalidade, algo sério e a ser respeitada. Está aí uma nova geração, onde alguns despontam como pessoas de bom senso. Vamos torcer que eles continuem, onde, possivelmente e inconscientemente, podemos ter errado. É certo também, que conseguimos ver com nossos olhos, situações e aspectos de um meio ambiente, que por certo nunca mais voltarão, enquanto nosso país continue a ser como é nessas questões ambientais. Grande abraço meu amigo e vamos em frente.

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    1. Concordo com você meu amigo Marcão em gênero, número e grau. Cada um de nós viveu seu momento lá no Pau Cerne, e com certeza, inesquecíveis. Uma pena não estarmos juntos lá. Mas é esse nosso trabalho: uma vez publicado, passa a ser "passado", ficando, no entanto, imortalizado e será sempre lembrado com saudades. Abraço amigo

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